Quando pensamos em criar uma ilustração, desenvolver um design ou até mesmo elaborar uma peça de conteúdo criativo, é comum cair na armadilha de tentar “acertar” tudo desde o início. Queremos ver cada linha perfeita, cada cor harmonizada e cada detalhe minucioso lá no papel — ou na tela — o mais rápido possível. No entanto, muitos artistas e criadores experientes defendem o contrário: começar com um rascunho menos detalhado (muitas vezes chamado de “rough sketch”) e só depois ir avançando no refinamento. Mas, afinal, por que essa abordagem inicial é tão vantajosa? A seguir, exploramos alguns pontos-chave para entender melhor essa prática, ilustrando com a visão do ilustrador e YouTuber japonês Naoki Saito.
1. Mantém a espontaneidade
Quando você se preocupa menos com a precisão e mais com captar a ideia geral, tem a liberdade de fluir melhor. Sem a pressão de detalhes, o rascunho solto permite que você faça traços livres e experimente, sem medo de “estragar” algo que ainda está apenas no começo. É nesse estado de criação solta que surge a possibilidade de encontrar novas poses, enquadramentos, proporções ou ângulos que poderiam ser “podados” se você se concentrasse em detalhes desde o primeiro minuto.
Aliás, o próprio Naoki Saito explica que usa uma lapiseira com grafite 0.7 para não conseguir desenhar detalhes tão finos no começo:
“No sentido de que posso desenhar de forma rápida e leve, mas não consigo desenhar precisamente porque é um pouco grosso, o equilíbrio entre ‘eu posso desenhar’ e ‘não posso desenhar muito’ é perfeito.”
(Naoki Saito, entrevista para a Pentel Magazine)
Dica prática:
Não hesite em usar ferramentas que dificultem o perfeccionismo (por exemplo, um lápis mais grosso, uma caneta sem tanta precisão ou até mesmo papel de rascunho). Esse “trunfo” de não poder desenhar tudo perfeito ajuda no fluxo inicial e libera o processo criativo.
2. Facilita a visualização da composição
Quando se desenha de forma rápida e sem polimento, é mais fácil visualizar a composição geral da peça — seja uma cena ilustrativa, uma página de quadrinhos ou um layout de design. Você consegue perceber como os elementos estão se relacionando, qual é a dinâmica do espaço e quais modificações de tamanho ou posição podem melhorar o resultado final.
Sem a interferência de detalhes minuciosos, você bate o olho e já sabe se o desenho está equilibrado ou se algo precisa mudar drasticamente de lugar. Assim, você não perde tempo corrigindo pormenores que, no fim, podem nem existir se for necessário mexer em tudo de novo.
3. Evita o perfeccionismo precoce
Começar já colocando todos os detalhes “no papel” pode levar a um perfeccionismo precoce. O problema aqui é duplo:
- Você gasta muito tempo em pormenores sem ter certeza de que a estrutura ou o conceito principal estão sólidos.
- Você acaba se apegando a certas partes (como um rosto bem detalhado ou um objeto muito trabalhado) e, depois, fica relutante em alterar a composição geral, mesmo percebendo que não está funcionando.
Ao rascunhar de forma mais solta, você protege sua liberdade de escolha. Fica mais fácil dizer “isso não está legal, vou mudar radicalmente” porque não há grandes perdas em termos de tempo ou investimento emocional em detalhes.
4. Promove agilidade e mais variações
Com um rascunho simples, você consegue testar diferentes versões mais rápido. Quer experimentar uma pose alternativa? Um cenário que mude o ângulo de visão? Basta puxar outro pedaço de papel (ou abrir outra camada, se estiver no digital) e fazer um novo rascunho. O tempo investido é baixo, e você compara as opções lado a lado antes de decidir qual vale a pena detalhar.
Essa agilidade na etapa inicial do projeto é fundamental para maximizar sua criatividade. Mesmo que a primeira ideia pareça incrível, testar mais duas ou três opções de composição pode surpreender: muitas vezes, a segunda ou a terceira alternativa se revelam ainda melhores.
5. Valoriza o processo como um todo
Muitas vezes, a ansiedade por ver a obra “pronta” rapidamente nos faz pular etapas. Mas o processo de criação é — ou pelo menos pode ser — tão significativo quanto o resultado final. Enxergar o esboço inicial como uma parte essencial do trabalho ajuda você a valorizar cada estágio e a aprender com ele. Com isso, você passa a ter mais clareza de onde pode melhorar, o que precisa descartar e o que realmente faz sentido lapidar.
Além disso, o rascunho menos detalhado mantém a diversão no ato de desenhar. Ele funciona como um brainstorm visual, onde “acertos” e “erros” convivem e alimentam novas ideias.
6. Desenvolve um olhar mais crítico (e solto)
Para artistas e criadores de qualquer área, a capacidade de avaliar o que está sendo produzido é fundamental. Quando você não está preso a cada traço ou linha, fica mais fácil olhar para o trabalho com um olhar crítico: “Isso está funcionando?” “Será que estou exagerando na quantidade de elementos?” “Essa é a melhor forma de transmitir a mensagem que quero?”
Um rascunho simples ajuda a enxergar o todo, entender o que merece foco de atenção e o que é secundário. Quando chega a hora de refinar, você já tem uma “visão macro” do que funciona e do que precisa evoluir.
Conclusão
Começar com um rascunho menos detalhado não significa descartar o perfeccionismo; é apenas colocá-lo na hora certa do processo. Essa fase inicial é o momento de dar vazão às ideias, ganhar ritmo e evitar investir horas em algo que talvez não seja o ideal para o projeto final. Ao adotar essa abordagem, você preserva a espontaneidade, aumenta a produtividade e cria espaço para que a verdadeira inovação aconteça.
No fim das contas, um rascunho simples — mas bem pensado — é a base sólida que permite que o restante da obra cresça com coerência e beleza. Então, da próxima vez que for iniciar um desenho, design ou qualquer projeto criativo, lembre-se: solte o traço, sem medo dos “defeitos”. Afinal, às vezes é justamente nessa “imperfeição controlada” que a mágica do processo artístico encontra o seu ponto de equilíbrio, tal como Naoki Saito descreve: um balanço perfeito entre “eu posso desenhar” e “não posso desenhar muito”.